“Quando as estrelas começarem a cair, me diz, me diz pra onde é que a gente vai fugir?” – Renato Russo
Penso que qualquer manifestação artística deve ser realizada da forma mais livre possível, sem amarras ou regras rígidas. Apesar disso, no que diz respeito à coletâneas literárias (reunião de contos ou de poemas, por exemplo), julgo que a proposta se torna mais satisfatória quando o autor, mais do que uma junção pura e simples (muitas vezes aleatória) de textos, decide pôr sua capacidade criativa a serviço de um projeto. Em outras palavras, os textos que compõem a publicação dialogam entre si, formando um conjunto coeso e harmônico.
Essa é claramente a opção de Jorge Ventura, que agora nos traz este belo Outras Urbanas. Aqui, os poemas apresentam temática urbana, e as máculas da cidade recebem um olhar poético. Ventura é autor de múltiplos recursos, dono de uma sólida obra poética, enriquecida agora com este título que você tem nas mãos. (…)
OUTRAS URBANAS /OUTRAS VISÕES por Adriano Espínola
Quando Baudelaire cruza com uma majestosa mulher, em uma rua agitada de Paris, certo de que nunca mais tornará a vê-la, ou quando avista uma esplêndida carniça em uma esquina ou, ainda, quando nos fala da perda da sua aura de poeta sublime no lamaçal da rua, está, com essas peças, sugerindo um novo espaço do acontecimento poético: o espaço da grande cidade. Diferentemente do locus romântico, que instava o poeta a refugiar-se na natureza e a cantá-la, certo de que ali poderia fundir e aplacar a sua subjetividade atormentada, o seu Eu nostálgico em busca do absoluto, o autor de As flores do mal (1857) vai surpreender na cidade uma nova e insuspeitada beleza, “metade transitória, metade eterna”. A beleza da própria modernidade. (…)
Jorge Ventura é um desses poetas que faz avançar, já no século 21, essa incontornável linha temática da poesia moderna, como podemos atestar neste seu novo livro, Outras urbanas. O próprio título parece-nos sugerir a consciência dessa retomada, como se dissesse que agora surgem “outras (poesias) urbanas”, a partir da significação verbal-poética associada à representação gráfico-visual, perfazendo, ao longo do volume, uma “via de mão dupla”. (…)
Mas aqui o desafio maior está mesmo em expressar poeticamente a dura realidade humana e social da cidade – da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu e vive o poeta – , com seus problemas, medos, violências, injustiças e ameaças que cercam o dia a dia dos habitantes da outrora “cidade maravilhosa”. E isso o autor o faz de forma precisa, ao denunciar o processo de desumanização dos espaços e de seus viventes, nas quatro partes do livro (“Gente”, “Bichos”, “Ruas” e “Caos”), mas também, aqui e ali, pontuando-o com a voz lírico-existencial (“sou criança/no azul pátrio/das manhãs/marginais”) e amorosa (“a musa, a música, o bom vinho/à noite, todo sonho é bem-vindo” (…)
Considerando a unidade temática voltada para a cidade e o ousado projeto gráfico-visual, podemos afirmar que, com Outras urbanas, Jorge Ventura logra realizar, na contemporaneidade, um dos mais criativos e instigantes livros de poesia, dando continuidade à estética dissonante dos poetas modernos, inaugurada por Charles Baudelaire.
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