O modo de operação do shopping é conhecido e usualmente há um proprietário (empresário ou fundo de investimento) que loca e cede o local para diversos lojistas exercerem a sua atividade empresarial naquele espaço. Daí decorre a importância da locação para o funcionamento da operação.
O contrato de locação em shopping center é notadamente empresarial. Os sujeitos envolvidos na relação são empresários (tanto locador como locatário) e o objeto decorre diretamente da atividade empresarial exercida por ambos.
Com base nisso é possível analisar a forma de interpretação dos contratos locatícios, tendo em conta a lógica da livre concorrência na atividade empresarial, devendo prevalecer os ajustes entre as partes e a autonomia da vontade. Em tal sentido, o próprio Código de Defesa do Consumidor (art. 54), dita que em tal relação devem prevalecer as condições livremente pactuadas.
Portanto, em tais contratos é possível a inclusão de cláusulas denominadas atípicas, de índole econômica, como, por exemplo, o pagamento de aluguel em dobro no mês de dezembro; o valor do aluguel variável, atrelado ao faturamento; o direito de preferência em relação ao ramo de atividade do locatário; e a possibilidade de revisão do “tenant mix” pelo locador de tempos em tempos.
No tocante ao direito de preferência é possível ao locador conceder ao locatário um prazo (conforme negociado entre as partes) para que aquele atue sem concorrência direta naquele centro comercial. Portanto, um shopping pode conceder para uma determinada loja um prazo de preferência e exclusividade, no qual não pode o estabelecimento comercial locar outro espaço, no mesmo shopping, para loja do mesmo nicho. Trata-se aqui de um direito do locatário e uma obrigação do locador.
Por outro lado, a revisão do “tenant mix” consiste em um direito do locador, que pode ser previsto em contrato e possibilitar ao mesmo a ampliação e revisão das lojas, serviços, gastronomia e lazer oferecidos.
“Tenant mix” ou mix de locatários é uma característica essencial de um shopping center, cabendo ao proprietário do shopping escolher estrategicamente as lojas que farão parte do empreendimento, quais serão as opções de gastronomia e as atividades de lazer, tudo visando atrair o maior número de clientes ao empreendimento e alcançar um melhor fluxo de visitas e maior faturamento. Apesar de ser um direito do locador, previsto em contrato, tal atende aos interesses dos lojistas e do próprio empreendedor, que faz jus ao recebimento de aluguel calculado sobre o faturamento.
Agora surge a questão, em caso de colisão entre o direito de preferência do locatário e o direito de revisão do “tenant mix” por parte do locador, qual deve prevalecer?
Em recente julgado, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que “a instalação de lojas do mesmo ramo em shopping center não configura, por si só, atividade predatória nem ofensa ao “tenant mix”, desde que que essa opção não implique desrespeito aos contratos firmados com os lojistas”. (STJ. 3ª Turma. REsp 2.101.659-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/5/2024).
No caso analisado, estavam presentes as seguintes especificidades: (i) o contrato previa uma cláusula de preferência pelo prazo de 60 meses; (ii) depois de 12 anos da extinção da preferência, o shopping admitiu loja do mesmo ramo de atividade do locatário exatamente em frente a sua loja; (iii) após a instalação da nova loja, o locatário viu seu faturamento aumentar ; (iv) o contrato expressamente autorizava ao locador a revisão do “tenant mix”.
A decisão se deu com base em dois fundamentos:
O primeiro é que o contrato delimitou com clareza e assertividade até que momento o locatário poderia contar com o direito de preferência, de modo a planejar suas atividades e adotar estratégias de acordo com tal informação.
O segundo é que possibilidade de revisão do “tenant mix” é essencial em empreendimentos maiores, sendo comum a presença de lojas do mesmo segmento concorrendo entre si, instaladas próximas uma das outras, trazendo atratividade para o shopping e beneficiando os consumidores e, portanto, os demais lojistas. Sob tal enfoque, não é vedado ao locador rever a organização das lojas, serviços, gastronomia e lazer, de modo que atraia uma maior clientela ao shopping.
Sob essa perspectiva, entendeu o STJ pela inexistência de fundamentos que amparem uma extensão do período de direito de preferência, tampouco do afastamento da previsão contratual livremente pactuada pelas partes.
Por tudo isso é que o contrato de locação de shopping deve ser bem redigido, com clareza e assertividade de todos os direitos e obrigações das partes, sendo que a intervenção judicial em tais casos deve se limitar ao descumprimento contratual ou eventuais divergências de interpretação. Um bom contrato é, portanto, a melhor prevenção para evitar desgastantes litígios judiciais.
Pedro Henrique Cordeiro Machado – especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UNICURITIBA, advogado no escritório Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro Advocacia.
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